PLATÃO (Atenas, 428 aC - Atenas, 347 aC)
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PLATÃO (Atenas, 428 aC - Atenas, 347 aC)
1. A Origem da Cidade:
Platão – A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990 (6ª edição)
- Ora – disse eu [Platão] – uma cidade tem a sua origem, segundo creio, no facto de cada um de nós não ser auto-suficiente, mas sim necessitado de muita coisa. Ou pensas que uma cidade se funda por qualquer outra razão?
- Por nenhuma outra – respondeu [Adimanto].
- Assim, portanto, um homem toma outro para uma necessidade, e outro ainda para outra, e, como precisam de muita coisa, reúnem numa só habitação companheiros e ajudantes. A essa associação pusemos o nome de cidade. Não é assim?
- Absolutamente.
- Mas se uma coisa participa numa sociedade com outra, se dá ou recebe algo, é na convicção de que isso é melhor para ela?
- Certamente.
- Ora vamos lá! – disse eu -. Fundemos em imaginação uma cidade. Serão, ao que parece, as nossas necessidades que hão-de fundá-la.
- Como não?
- Mas por certo que a primeira e a maior de todas as necessidades é a obtenção de alimentos, em ordem a existirmos e a vivermos.
- Inteiramente.
- A segunda é a habitação; a terceira, o vestuário, e coisas no género.
- Assim é.
- Ora vamos – prossegui -. Como é que a cidade bastará para a obtenção de tantas coisas? Existirá outra solução que não seja haver um que seja lavrador, outro pedreiro, outro tecelão? Acrescentar-lhes-emos também um sapateiro ou qualquer outro artífice que se ocupe do que é relativo ao corpo?
- Com toda a certeza.
- Logo, o mínimo a que se pode chamar uma cidade compõe-se de quatro ou cinco homens?
- Assim parece.
- E agora? Deve cada um destes homens executar o seu trabalho próprio, para ser comum a todos? Por exemplo, o lavrador, sozinho, fornecerá trigo para quatro, e gastará o quádruplo do tempo e do esforço com a obtenção do trigo para o partilhar com os outros, ou preocupar-se-á apenas consigo, e preparará a quarta parte deste trigo, na quarta parte do tempo, e os outros três quartos gastá-los-á um na construção de uma casa, outro na confecção de um manto, outro ainda de calçado, e, sem partilhar com os outros, terá as sua coisas, fazendo por si mesmo o que é seu?
Adimanto declarou: - Talvez seja mais fácil do primeiro modo que do segundo, ó Sócrates.
- Por Zeus, que nada me admira! – disse eu -. Ao ouvir-te falar, penso também que, em primeiro lugar, cada um de nós não nasceu igual ao outro, mas com naturezas diferentes, cada um para execução de sua tarefa. Ou não te parece?
- Parece-me.
- Como assim? Uma pessoa fará melhor em trabalhar sozinho em muitos ofícios, ou quando for só um a executar um?
- Quando for um só a executar um.
- Mas julgo eu que é também evidente que, se alguém deixar fugir a oportunidade de fazer uma coisa, perde-a.
- É evidente.
- É que, creio eu, a obra não espera pelo lazer do obreiro, mas força é que o obreiro acompanhe o seu trabalho, sem ser à maneira de um passatempo.
- É forçoso.
- Por conseguinte, o resultado é mais rico, mais belo e mais fácil, quando cada pessoa fizer uma só coisa, de acordo com a sua natureza e na ocasião própria, deixando em paz as outras.
- Absolutamente.
- Logo, ó Adimanto, são precisos mais de quatro cidadãos para os fornecimentos de que falámos. Com efeito, não será o lavrador em pessoa, ao que parece, que fará o arado para si, se quer que seja perfeito, nem a enxada, nem os demais utensílios de lavoura. Nem por sua vez, o pedreiro; também esse precisa de muita coisa. E do mesmo modo o tecelão e o sapateiro. Ou não?
- É verdade.
- Ora os carpinteiros, ferreiros e tantos outros artífices desta espécie, associando-se à nossa pequena cidade, tornam-na mais povoada.
- Absolutamente.
- Mas não seria mesmo grande, se lhe acrescentássemos boieiros, pastores e os outros guardadores de gado, a fim de que os lavradores tivessem bois para lavrar, e os pedreiros juntamente com os lavradores pudessem servir-se de animais de tiro para os transportes, e os tecelões e sapateiros, de peles e de lãs?
[OBS: a argumentação continua até integrar na cidade todos os restantes ofícios: mensageiros, comerciantes, retalhistas e assalariados]
Platão – A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990 (6ª edição)
Re: PLATÃO (Atenas, 428 aC - Atenas, 347 aC)
2. Da cidade luxuosa à guerra:
Platão – A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990 (6ª edição)
- Examinemos, pois, em primeiro lugar, de que maneira irão viver as pessoas assim organizadas. Será de outro modo que não seja produzir trigo, vinho, vestuário e calçado? E, depois de terem construído casas, trabalharão, no verão, quase nus e descalços, mas, no inverno, suficientemente vestidos e calçados. Alimentar-se-ão com farinha preparada, uma com cevada, outra com trigo, esta cozida, e aquela amassada; com isso farão uma boa massa e pães, que serão servidos em juncos ou em folhas limpas, reclinar-se-ão em leitos de folhagem de alegra-campo e mirto; banquetear-se-ão, eles e os filhos, bebendo por cima vinho, coroados de flores, e cantando hinos aos deuses, num agradável convívio uns com os outros, sem terem filhos acima da proporção dos seus haveres, com receio da penúria ou da guerra.
Tomando a palavra, Gláucon disse: - Pões os homens a banquetear-se sem conduto, ao que parece!
- Falas a verdade – repliquei -. Tinha-me esquecido que também hão-de ter um conduto. É evidente que hão-de fazer cozidos com sal, azeitona, queijo, bolbos e legumes, coisas que há no campo. Havemos mesmo de servir-lhes sobremesa de figos, grão-de-bico e favas, e torrarão ao fogo bagas de murta e bolotas, enquanto bebem moderadamente. E assim passarão a vida em paz e com saúde, morrerão velhos, como é natural, e transmitirão aos seus descendentes uma vida da mesma qualidade.
- Se estivesses a organizar, ó Sócrates – interveio ele – uma cidade de porcos, não precisavas de outra forragem para eles.
- Mas então como há-de ser, ó Gláucon?
- O costume – respondeu ele -. Acho que devem reclinar-se em leitos, se não quiserem que se sintam infelizes, e que jantem, à mesa, iguarias como hoje há, e sobremesas.
- Seja – disse eu -. Compreendo. Não estamos a penas a examinar, ao que parece, a origem de uma cidade, mas uma cidade de luxo. Talvez não seja mau. Efectivamente, ao estudarmos uma cidade dessas, depressa podemos descobrir de onde surgem nas cidades a justiça e a injustiça. A verdadeira cidade parece-me ser aquela que descrevemos como uma coisa sã, mas, se quiserdes, observaremos também a que está inchada de humores. Nada o impede. Bem, estas determinações não bastam, ao que parece, a certas pessoas, nem este passadio, mas acrescentar-lhes-ão leitos, mesas e outros objectos, e ainda iguarias, perfumes e incenso, cortesãs e guloseimas, e cada uma destas coisas em toda a sua variedade. Em especial, não mais se colocará entre as coisas necessárias o que dissemos primeiro, - habitações, vestuário e calçado – ir-se-á buscar a pintura e o colorido, e entender-se-á que se deve possuir ouro, marfim e preciosidades dessa espécie. É ou não é?
- É – respondeu ele.
- Portanto, temos de tornar a cidade maior. A que era sã não é bastante, mas temos de a encher de uma multidão de pessoas, que já não se encontra na cidade por ser necessária, como os caçadores de toda a espécie e imitadores, muitos dos quais são os que se ocupam de desenho e cores, muitos outros da arte das Musas, ou seja, os poetas e seus servidores – rapsodos, actores, coreutas, empresários -, artífices que fabriquem toda a espécie de utensílios, sobretudo adereços femininos. E, em especial, precisaremos de mais servidores. Ou não te parece que careceremos de pedagogos, amas, governantes, açafatas, cabeleireiros, e ainda cozinheiros e marchantes? E vamos precisar ainda de porqueiros. Isto era coisa que na nossa primeira cidade não existia – pois não era precisa para nada – mas nesta, também necessitamos deles. E ainda careceremos de todas as outras espécies de gado, não vá alguém querer comer delas. Não é assim?
- Como não?
- Portanto, também sentiremos muito mais a necessidade de médicos, levando esta vida, do que anteriormente?
- Muito mais certamente.
- E a região que então fora suficiente para alimentar a população de outrora, de bastante que era, se tornará exígua. Ou o que havemos de dizer?
- É isso.
- Portanto, não teremos de ir tirar à terra dos nossos vizinhos, se queremos ter o suficiente para as pastagens e lavoura, e aqueles, por sua vez, não terão de tirar à nossa, se também eles se abandonarem ao desejo da posse ilimitada de riquezas, ultrapassando a fronteira do necessário?
- Será inteiramente forçoso, ó Sócrates.
- Havemos então de fazer guerra, depois disso, ó Gláucon? Ou como há-de ser?
- Tem de ser assim – respondeu.
- E não digamos seja lá o que for – declarei – se a guerra faz qualquer bem ou mal, mas somente isto, que descobrimos a origem da guerra, de onde derivam sobretudo as desgraças particulares e públicas para as cidades, cada vez ela se origina.
- É inteiramente assim.
- Então, meu amigo, é preciso uma cidade ainda maior, com um exército, não exíguo, mas completo, que saia a dar combate, lutando contra o invasor por todos os bens da cidade e quando acabámos de dizer.
- Quê? – perguntou ele -. Os próprios cidadãos não bastam?
- Não – repliquei – se está certo o princípio em que tu e nós todos assentámos, quando modelámos a cidade. Assentámos, se bem te lembras, em que era impossível que uma só pessoa exercitasse na perfeição diversas artes.
Platão – A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990 (6ª edição)
Re: PLATÃO (Atenas, 428 aC - Atenas, 347 aC)
ao meu parecer, a evolução das pessoas faz crescendo as suas necessidades, sendo cada vez mais necessario encontrar maneiras de satisfazer essa população que entretanto vai crescendo - quando rodeada de boas condições, como paz e estabilidade economica. Com a evolução das pessoas, a cidade também evolui, tanto em actividades como em "fisionomia", como por exemplo na época renascentista, em que o homem utilizava o gótico pois, devido ás suas caracteristicas, proporcionavam aos edificios alturas nunca antes alcançadas, que permitiam ser visualizados de longe, demonstrando a riqueza e grandeza da cidade. O nivel de desenvolvimento de uma cidade e demonstrado atraves da sua apresentação, tanto das suas construções como das suas gentes. Penso que Platão tinha um pensamento actual das coisas, e avançado para a sua época. Para ele, os valores humanos são inestinguiveis, e o homem pode conhecê-los atravéz da razão.
Pessoalmente gosto dos ideais de Platão pois ele é um filosofo que pensava à frente, e sonhava com uma Utupia: a sociedade ideal deveria ser governada pelos filósofos, ou pelo filósofo-rei, porque somente o homem sábio tem a inteira idéia do bem, do belo e da justiça. Consequentemente, ele terá menos inclinação para cometer injustiças ou de praticar o mal, impedindo os governados de se rebelarem contra a ordem social. No fundo é o que muitas pessoas pensam, mas o filósofo-rei de Platão é substituido por "o homem do povo" ou num sentido mais erónico por "as mulheres". Se bem que o homem por ser sábio, não quer dizer que esteja mais ciente do que é o bem, ou que não tem uma maior inclinação para cometer injustiças, pois os valores e as ideias de bem e mal variam de individuo para individuo...
De qualquer maneira, deixo a minha opinião.
Pessoalmente gosto dos ideais de Platão pois ele é um filosofo que pensava à frente, e sonhava com uma Utupia: a sociedade ideal deveria ser governada pelos filósofos, ou pelo filósofo-rei, porque somente o homem sábio tem a inteira idéia do bem, do belo e da justiça. Consequentemente, ele terá menos inclinação para cometer injustiças ou de praticar o mal, impedindo os governados de se rebelarem contra a ordem social. No fundo é o que muitas pessoas pensam, mas o filósofo-rei de Platão é substituido por "o homem do povo" ou num sentido mais erónico por "as mulheres". Se bem que o homem por ser sábio, não quer dizer que esteja mais ciente do que é o bem, ou que não tem uma maior inclinação para cometer injustiças, pois os valores e as ideias de bem e mal variam de individuo para individuo...
De qualquer maneira, deixo a minha opinião.
Ana Catarina- Mensagens : 6
Data de inscrição : 14/05/2008
Re: PLATÃO (Atenas, 428 aC - Atenas, 347 aC)
3. Os Guardiões da Cidade e a Filosofia
Platão – A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990 (6ª edição)
- Ora não se te afigura que o futuro guardião precisará ainda de acrescentar ao seu temperamento fogoso um instinto de filósofo?
- Como assim? – retorquiu ele -. Não compreendo.
- Essa qualidade – respondi – vê-la-ás também nos cães, coisa que é digna de admiração num animal.
- Que qualidade?
- O facto de, quando vêem algum desconhecido, o suportarem a custo, sem que antes lhes tenha feito qualquer mal. Ao passo que, se virem um conhecido, o acolhem bem, ainda que nunca lhes tenha feito qualquer benefício. Ou ainda não te surpreendeste com este procedimento?
- Até agora mal tinha prestado atenção a esse facto. Mas é manifesto que procedem desse modo.
- Mas sem dúvida que demonstra a engenhosa conformação da sua natureza, que é verdadeiramente amiga do saber.
- Em quê?
- No facto de não se distinguir uma visão amiga e inimiga, senão pela circunstância de a conhecer ou não. E como não terá alguém o desejo de aprender, quando é pelo conhecimento e pela ignorância que se distinguem os familiares dos estranhos?
- Não pode ser de outro modo.
- Ora – disse eu – ser amigo de aprender e ser filósofo é o mesmo?
- É o mesmo – respondeu ele.
- Portanto, admitamos confiadamente que também o homem, se quiser ser brando para com os familiares e conhecidos, tem de ser por natureza filósofo e amigo do saber.
- Admitamos – redarguiu ele.
- Por conseguinte, será por natureza filósofo, fogoso, rápido e forte quem quiser ser um perfeito guardião da cidade.
- Inteiramente.
- É, pois assim, que ele terá de ser. Mas de que maneira é que se hão-de criar e educar estes homens? (…)
Platão – A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990 (6ª edição)
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